O livro encontrado no lixo trouxe transformação pessoal e coletiva, comunitária. Quando encontrou a publicação contendo ensino de Física em espaço destinado a resíduos descartados em sua tribo, no Malawi, o adolescente William Kamkwamba começou a ler e, então, a sonhar. Sonhou que seria possível trazer energia para sua comunidade usando a força dos ventos. Usando o conhecimento adquirido na leitura e velharias rejeitadas pelos moradores, ele construiu uma estação eólica que, mesmo rudimentar, foi capaz de fornecer luz para as residências da vizinhança.
A história de William inspirou o filme O Menino que Descobriu o Vento. Ele próprio se tornou um agente de motivação, realizando palestras em eventos internacionais. Personificou a força revolucionária que emana quando a curiosidade, criatividade e paixão típicas dos jovens são canalizadas para o bem, para a mudança de realidades humanas.
Nunca foi tão evidente a força da juventude como agente de transformação. Que o diga uma mobilização como o Global Goals, uma campanha de objetivos globais envolvendo jovens signatários de todo o mundo com um recado claro: líderes do Planeta, “estamos de olho em vocês”, diz trecho de carta aberta no site da campanha. O que esses jovens querem? Erradicar a pobreza, garantir agricultura sustentável, lutar por educação de qualidade, buscar soluções para oferecer saneamento básico e água limpa para todos, reduzir as desigualdades sociais.
São causas globais abraçadas por jovens sonhadores. Organizações podem desdenhar e considerar que são apenas arroubos da juventude o que motiva manifestações como a mencionada acima. Mas é preciso considerar algo essencial: esta é uma era em que os jovens possuem as ferramentas das tecnologias de informação e de comunicação. Eles dominam a cultura digital e os canais de divulgação, e farão prevalecer o mundo idealizado por eles, fortemente marcado pelo discurso de justiça social.
Mais do que isto: com a pandemia, este espírito de época tornou-se ainda mais cristalino. Os jovens estão dispostos a abraçar causas, mesmo que as organizações não sigam na mesma direção. Pelo contrário! Esperam que as marcas levantem suas bandeiras. Uma pesquisa da Barômetro Kantar divulgada em janeiro deste ano mostrou que as gerações mais jovens esperam um posicionamento mais proativo das marcas no sentido de guiar a mudança, e não demonstram qualquer remorso em abandonar a relação com marcas e organizações se perceberem incoerência entre o discurso e a prática, numa espécie de “cancelamento” institucional.
Ao que parece, além de abraçar causas, há um despertamento dos jovens sobre sua capacidade de ser agentes de transformação. É fato que esta não é uma realidade capaz de envolver toda uma geração – há grupos expressivos de jovens que vivem valores distintos. Mas chama a atenção o número dos que percebem a força que pode prevalecer se uma geração se unir em torno de um plano capaz de mudar a vida das pessoas ao redor do Planeta.
Diz Marianna Muntianu, uma jovem russa ativista ambiental e fundadora do projeto Plante a Floresta: “O coronavírus está nos mostrando que realmente podemos unir forças para resolver problemas globais – e rapidamente, mesmo com os diversos obstáculos e dificuldades econômicas.
Afirma Louise Mabulo, 21 anos, uma chef premiada natural das Filipinas, agricultora e fundadora do Projeto Cacau: “Agora, mais do que nunca, o mundo precisa de esperança, de agentes de mudança – jovens que são corajosos, engajados e podem liderar o caminho para um futuro próspero”.
Perceber o entusiasmo de jovens na transformação do mundo pode servir de reflexão sobre como inspirar os jovens cristãos a serem, também, agentes ativos de transformação, não inspirados por uma ideologia, mas pelos métodos de Cristo. O recado de João aos jovens “fortes, que já venceram o maligno” (I João 2:14), sinaliza a força de uma juventude capaz de pavimentar seu desejo de mudança no mundo a partir da Palavra de Deus.
Ao invés de negligenciar o fato de estar surgindo uma nova mentalidade entre os jovens na cultura secular, mais sensíveis aos problemas do mundo e dispostos a abraçar causas que resolvam problemas humanitários históricos e conflitos de direitos humanos, os líderes cristãos podem exercer com humildade o papel de observação e de escuta desses novos agentes e o aparente novo modelo mental que inspira os jovens da era da pandemia. Podem alicerçar um plano de ação missionário focado em canalizar esta sensibilidade e disposição para mostrar ao mundo uma ação inspirada pelo exemplo de Cristo, capaz de se preocupar com detalhes das necessidades humanas e disposta a oferecer uma transformação de vida que contemple respostas para anseios sociais, pessoais e espirituais.
O Dia Internacional da Juventude parece ser uma excelente oportunidade para esse exercício de liderança, aparentemente mais passivo, pautado em observar e ouvir, mas que pode fazer toda a diferença neste mundo reformatado em que estamos vivendo.
Heron Santana (via Igreja Relevante)